segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Tia


Sexta-feira passada um telefonema quase me fez chorar. Pedi demissão da escola em que trabalhei nos últimos quatro anos. Aos dezessete anos, foi um grande presente ser contratada pela melhor escola da cidade. Eu era confundida com os alunos, que tinham dois, no máximo três anos a menos que eu. Pessoas de quem eu me lembrava quando estudei ali, dos 9 aos 14 anos. Podia até ter brincado junto ou conversado na hora do recreio, nas festas.




Nunca me esquecerei das caras assustadas quando eu entrava na sala de aula. Menos ainda das perguntas sobre a minha idade e das reações sempre desacreditadas. "17? Mentiiiiiiiira!" O que você faz? Na Federal? Nooooooossa! Você estudou muito? Estudou aqui na escola? Tem namorado?

Eu era a "tia" da galera, porque era assim que eles me chamavam. A tia que eles encontravam nas festas, na rua. A tia que não repetia roupa, porque eles sempre reparavam no modelito. "Quanto for fazer faxina no armário, lembra de mim, tia!" A tia que matava milhões de árvores gastando tanto papel. Das intermináveis listas, que não sabia chamar atenção, muito menos brigar, e preferia mandar os desinteressados dormirem. "Vai gente, dorme aí, é melhor! A aula tá chata, dorme!"


A tia que fazia de tudo pra ser menos chata. "Ana Paula, não é você. É a matéria. Eu odeio redação". A tia que provocava revoltas com as notas baixas. "Eu só tiro 5. Não vou fazer redação mais não!". "Fulano, vale 8. 5 é um 7, é uma nota média. Tem que praticar mais". A tia que fazia ditado e que parava aulas pra tentar enfiar na cabeça dos alunos que "derrepente" é "de repente" e "concerteza" é "com certeza". A tia que atrasava horrores para devolver as provas corrigidas... Mal sabem eles o que é corrigir aquele tanto de prova e o quanto eu me dedicava nisso.


Sentirei saudades. De tudo. De me chamarem de tia, das reclamações por nota, dos elogios, das declarações de amor e ódio, das risadas, das brigas. Principalmente dos alunos. Dos que gostavam de mim, dos que queriam me matar, dos que me achavam ótima, dos que me achavam péssima. Dos que me elogiavam, dos que me criticavam.


Eu tentei ensinar algo. Acho que consegui. Se eu tiver inspirado alguém na busca pelo estudo, já valeu, porque tudo que eu consegui na minha vida até hoje, foi pelo que me esforcei estudando. Mas é fato que eu aprendi mais do que ensinei. E isso é o mais bonito dessa profissão, é uma via de mão dupla interminável, apaixonante, apesar de cansativa.

Eu poderia contar aqui mil histórias que vão deixar saudades. Mas o post é só um breve homenagem e agradecimento a todos os que me acompanharam e me apoiaram nesses anos.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Celina

Temos quase a mesma idade, eu sou um ano mais nova. Ela veio do interior do Espírito Santo, para a cidade grande, trabalhar e estudar; está no segundo ano de Pedagogia. Na região da Mata Fria, onde nasceu e foi criada, predominou a colonização italiana. Daí herdou o cabelo loiro e os olhos verdes.

Fala demais, trabalha demais, dá opinião demais. Todo mundo se diverte com as gafes típicas de alguém que não sabia o que era shopping, nunca tinha andado de avião, não tinha vida social e vivia na "venda" da região, que é do seu pai, sofrendo toda sorte de abordagens masculinas, aprendendo o palavreado mais xulo possível e armando barracos homéricos, sempre.

Hoje ela tem carteira de motorista, faculdade, salário e mais calma. Não se cansa de declarar a vergonha que sente do seu período barraqueiro. Ela tem um noivo. Foi passar o reveillon na Mata Fria e voltou de aliança. Há muito tempo está comprando móveis (de primeira linha!) para sua casa. Mas ela diz que está enrolando o coitado, que não quer casar não, que quer ser independente!

Uma tarde, foi à praia comigo depois do serviço. O primeiro surfista falou com a gente, coisa que não acontecia comigo sozinha! Me ensinou a andar de ônibus, foi minha parceira no baralho e me fez relembrar como é bom andar de bicicleta.

Celina é a empregada da casa do meu tio. Pessoas assim são felizes com o pouco que têm, enquanto nós reclamamos muito, querendo sempre mais. Eu sou adepta da ambição e ainda quero ter muita coisa na vida. Mas aprendi que enquanto não tenho, estava perdendo muito tempo lamentando essa falta. A Celina chorou quando eu fui embora, e eu fiquei feliz por ter aprendido grandes lições com ela.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Reveillon, música e identidade [2]


Quando no Espírito Santo, eu sempre achei a cultura muito diferente. Por isso a observação sobre a trilha sonora do reveillon e o post passado. Mas aquilo tudo que eu falei sobre a identidade e a música capixaba se restringiu à noite do reveillon.

Depois, me surpreendeu um traço da cultura goiana impresso na capixaba. Um traço não, quase um desenho inteiro. O que eu mais escutei na praia, vi nos sites, escutei na rua, nas rádios, das pessoas, foi música SERTANEJA. Vocês acreditam nisso? Se vocês, goianos, querem se orgulhar de algo regional, orgulhem-se da música sertaneja!

Que invasão! Vitória está tomada! Eu não é só música da modinha não. Apesar de Vitor e Léo ser a sensação do momento, eles também ouvem o clássico "modão", daqueles antigos mesmo, que a gente está acostumado por aqui e acha que só goiano conhece. Eu escutei mais sertanejo lá do que normalmente escutaria em Goiás, que overdose! Nunca me imaginei, na praia, torrando no sol, tomando minha água de coco e escutando "Garçon amiiiiiiiigo, apague a luz da minha mesaaaaaaa.... Eu não quero que ela noteeeeeeeee, em mim tanta tristeza....Traga mais uma garrafaaaaaaaa..."

Eu hein, desce mais uma mesmo! Que é teeeeeeenso sair de Goiás pra ir escutar isso na praia. Essa praga está se espalhando! Confirmo o que eu estou dizendo com um caso verídico. Uma noite, num boteco, um dos dez homens sentados próximos a mim, perguntou:


- Do you speak English?

- Yes, I do.

- Oh, thanks God! We're here working, in a ship, and we're looking for some place where we can hear country western music. We're from USA and we have just tonight in Vitória. Can you help me?

É, a cultura goiana parece mais forte que a capixaba. Só capixabas conhecem o Congo. Já o sertanejo...


Reveillon, música e identidade


Da sacada, víamos a praia de Camburi, a queima de fogos em Vitória e Vilha Velha e estávamos de frente ao palco montado pela prefeitura para a festa. Diferente. Sem rituais. Não pulei ondas, não comi uvas verdes nem romã, não ofereci nada a Iemanjá. Vi a pirotecnia em silêncio no meu cantinho e fiz uma oração. Tranquilamente. As minhas resoluções para o ano já estavam sacramentadas na minha mente.

Depois da virada, começou o show principal, da banca capixaba Casaca. Minha prima explicou que casaca é o nome de um instrumento tradicional usado na banda. Eu já conhecia alguma coisa, depois de tantos verões por lá. A banda nasceu com algo de forró pé-de-serra e depois se misturou ao congo, um ritmo tradicional na região. O resultado é algo que na primeira audição, nós, desacostumados, associamos ao reggae. Parece um reggae pai-de-santo, pelo modo como as pessoas dançam, como se estivessem incorporando uma "entidade". É legal.

Pesquisando, vi que o congo de lá, tem algo a ver com a congada daqui, famosa em Catalão e Pirenópolis. Como eu nunca tinha visto, precisei ir longe de casa para gostar do ritmo. Eu fiquei quietinha enquanto minha prima "surtava" na areia. Achando tudo muito engraçado e diferente da cultura a que eu estou acostumada.

Nessas horas eu até me lembro dos primeiros semestres da faculdade, da aula de cultura brasileira ministrada por uma professora toda estilosa, ligada nas manifestações culturais, indígenas, identidades e blá blá blá... Lembram da alteridade? Gilberto Freyre, Roberto DaMata, Peter Fry... Lembro também da minha primeira reportagem para o Jornal UFG, sobre a 25ª Reunião Brasileira de Antropologia, sediada em Goiânia. A primeira vez que eu tive credencial de imprensa, fui a um coquetel e encontrei grande parte desses autores que eu tinha lido na aula.

Saudade. Quatro anos depois, formada, lá estava eu pedindo um emprego para o ano novo. Enquanto não vem emprego e pauta, eu fico aqui postando no blog.


terça-feira, 13 de janeiro de 2009

De volta


Passei 17 dias na praia. Mais exatamente em Vitória, Espírito Santo. Parcialmente, meus dias off realmente serviram pra colocar um pouco a cabeça no lugar, me descobrir, me entender melhor e quase me encontrar. Como eu tinha prometido, contarei algumas coisas aqui, então vamos aos relatos! Começando pela parte "Comer rezar amar"

ORIGENS

Minha mãe é goiana e meu pai é capixaba. Eu sempre disse que parecia com meu pai e que me identificava mais com a família dele, mesmo sem conhecê-la direito. São 11 irmãos. Eu conheci 6, mas nunca tive muito contato. A distância atrapalha, e, na verdade, nunca houve iniciativa maior de aproximação por nenhuma das partes. Meus esforços foram sempre tímidos.

Dessa vez, eu viajei com o objetivo de conhecer melhor minhas origens. Meu tio vivo mais velho tem até uma árvore genealógica. Meus avós eram nordestinos, mas não descobri muito sobre eles. O mais legal mesmo, é quando a gente ia almoçar e os irmãos contavam histórias da infância, passada no bairro de Santo Antônio, que fica num morro na periferia de Vitória.

Lá, meu avó começou modestamente a vida e a família. Pelos relatos, percebi que ele era muito adorado, um líder nato, que criou até um time de futebol! Tão querido, que virou nome de rua: Av. Dario Lourenço de Souza. Outra coisa: a Av. Dario Lourenço de Souza é a avenida do sambódromo de Vitória! Esses dados podem até explicar uma grande indagação que sempre fiz sobre mim: de onde aprendi a gostar tanto de futebol e carnaval? Meus pais sempre se fazem essa pergunta também, porque eles passam longe de estádios e trios elétricos.. Como eu saí assim?

Além do time de futebol, meu avô já teve uma linha de ônibus em Vitória, que o meu tio Rubinho (que eu não conheci) dirigia e meu pai também já ajudou. Meu outro tio, Mazinho, que eu também não conheci, inventou uma história de montar bicicletas que envolveu vários irmãos na linha de produção. Nunca imaginei meu pai montando bicicleta! Mas segundo eles, o mais divertido era na hora de levá-las para a loja...

Meu pai era o mais nerd. Ele fez letras e filosofia. Os irmãos o admiram muito. Só por que ele fala inglês, francês e alemão? Ah, que isso! Ele sempre ganhava prêmios e condecorações na escola. Mas o legal mesmo, foi ver que o irmão mais novo, tio Gilson, gansava os livros do meu pai e no dia do churrasco, a gente pôde até travar uma conversa em alemão, na beira da piscina.

Assim como eu podia pedir previsões meteorológicas para o tio Wilson, que trabalhou na aeronáutica, como meteorologista, e para o meu primo Edu, filho dele, que seguiu a mesma carreira. Pena que o Edu acertou na previsão, e disse que ia chover... Aí também não era novidade, no dia da feijoada, a gente lembrar dos nomes das nuvens... Ou até discutir a reforma ortográfica. Fiquei orgulhosa desse alto nível intelectual.

Orgulhosa, essa é a palavra. Sem falar na outra geração... com o meu primo que acaba de se formar no ITA, e a outra que passou num curso da Petrobrás de sei lá o quê. No fim das contas, senti mais responsabilidade ainda de estudar, trabalhar, ser alguém na vida. Mas como estava de férias, não quis me estressar muito com o meu atual desemprego...

Quis apenas entender os caminhos, o que as pessoas já fizeram na vida, como fizeram. A média de idade da minha família é muito alta. Meus primos mais novos tem 30 anos... Sem falar nos quarentões e cinquentões... E, falando na parte filosófica da viagem, do meu objetivo de me entender melhor, isso foi muito bom. Aprender com a experiência e saber que eu ainda tenho muito o que viver. Experiência essa visível nos cabelos brancos, o traço genético mais visível. Procuramos os "Lourenço de Souza" pela cabeça.